Proprietários de chácaras sempre se deparam com morcegos, ora habitando os forros das casas, ora sobrevoando ao redor de árvores e varandas ao entardecer.
Os morcegos sempre assustam!
Além das diversas estórias de vampiros que se transformam em serem humanos, existem 3 espécies que se alimentam de sangue (hematófagos) e podem transmitir o vírus da raiva.
Quem são esses animais?
Os morcegos são mamíferos da Ordem Chiroptera - Chiro = mão / Ptera = asa (seres humanos são da Ordem Primata). As asas dos pássaros são os “braços”, enquanto que nos morcegos são as “mãos”, o que possibilita maior agilidade e destreza durante o voo.
Estudos indicam que os morcegos se desenvolveram há cerca de 100 a 80 milhões de anos atrás e não evoluíram muito desde àquela época, sobrevivendo inclusive do fenômeno da extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos.
São encontrados no mundo todo, com exceção dos círculos polares e algumas ilhas isoladas. As Américas Central e do Sul abrigam 1/3 das espécies do mundo.
De todas as espécies de mamíferos no mundo 25% são morcegos.
Existem mais de 1.300 espécies no mundo, sendo que a espécie de maior porte é encontrada na Austrália e Filipinas, pesa 1,5 kg e o comprimento da envergadura das asas pode chegar a 1,7 metros (Acerodon jubatus – vídeo).
A menor espécie pesa 2 g e é um dos menores mamíferos do mundo, chamado popularmente bumblebee bat (Craseonycteris thonglongyai - vídeo).
A maior parte das espécies tem hábitos noturnos e localizam-se por meio de eco frequência. Emitem sons de alta frequência pelas boca e narinas, que ao atingirem um obstáculo retornam em menores frequências possibilitando a localização de obstáculos e presas, até as mais pequenas.
Os morcegos podem ser divididos de acordo com o hábito alimentar:
Insetívoros;
Fitófagos (frutos, néctar, pólen, partes de flores e folhas);
Carnívoros (rãs, pássaros pequenos e artrópodes);
Piscívoros (peixes e artrópodes aquáticos);
Onívoros (frutos, flores e insetos); e
Hematófagos (sangue).
Do total de mais de 1.300 espécies, 70% são insetívoras e 29% são fitófagas.
Apenas 3 espécies são hematófagas e habitam a América latina desde o sul do México até o norte da Argentina, entre as quais, apenas 1 espécie se alimenta de sangue de mamíferos (Desmodus rotundus).
As outras duas normalmente se alimentam de sangue de aves. Porém, os pesquisadores Fernanda Ito, Enrico Bernard e Rodrigo A, Torres descobriram recentemente que outra espécie hematófaga, Diphylla ecaudata, devido a escassez de alimentos, pode estar alterando o habito alimentar de sangue de aves para sangue humano.
Dependendo da espécie a gestação pode ser de 44 dias a 11 meses, sendo que nos hematófagos é de 7 meses. Geralmente nasce somente um filhote a cada parto.
Os morcegos vivem entre 10 e 30 anos, diferentes dos mamíferos de seu tamanho, que vivem bem menos.
Existe somente 1 predador especializado em morcegos, a águia africana, embora haja outros eventuais, como corujas, cobras, gatos, gaviões, etc.
Morcegos nunca devem ser manuseados por leigos, porque todos eles, mesmo os frugívoros e insetívoros, mordem! Em caso de necessidade deve-se utilizar luvas de raspa de couro e máscara.
Ocorrência no Brasil e principais espécies
No Brasil foram registradas 178 espécies.
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A Família Phyllostomidae possui 92 espécies registradas no Brasil. As seguintes espécies são comuns em cidades brasileiras:
Artibeus lituratus: alimentam-se de frutos, pólen, flores, folhas e insetos, voam ao redor de árvores onde se alimentam. Se abrigam nas copas das árvores.
Plathirrhinus lineatus: hábitos semelhantes ao Artibeus lituratus.
Glossophaga soricina: alimentam-se de néctar, flores e insetos. Abrigam-se em porões, forros de casas e construções abandonadas.
Desmodus rotundus: morcego vampiro, hematófago. Abrigam-se na mata, em cavernas, ocos-de-árvores, bueiros e casas abandonadas.
· A Família Molossidae possui 28 espécies registradas no Brasil. As seguintes espécies são comuns:
Molossus molossus: animal insetívoro. Abrigam-se nos forros de casas ou prédios. São notados na primavera – verão quando acasalam-se emitindo sons altos.
Tadarida brasilienses: insetívoros. Abrigam-se em forros de casas ou prédios.
· A Família Vespertilionidade possui 28 espécies registradas no Brasil. São insetívoros e vivem nos forros de casas e edifícios.
O vampiro
O morcego hematófago que representa perigo na transmissão do vírus da raiva é o vampiro, Desmodus rotundus – vide vídeo, que pesa entre 25 e 40 g e habita locais mais escuros, como cavernas, ocos de árvores, minas, casas abandonadas, etc. Vivem em colônias de 10 a 50 indivíduos, podendo ser mais.
O Desmodus rotundus não se aproxima de animais e pessoas voando, o ataque é em silêncio quando ele se aproxima literalmente saltando no solo e subindo em sua presa.
A fonte primária de alimentação do vampiro é o rebanho bovino, equino e suíno, sendo que o homem não tem muita importância, exceto em caso de profundo desequilíbrio ecológico.
Após escurecer os morcegos escolhem as vítimas mais dóceis e isoladas, que após a mordedura e o corte da pele inicia-se a alimentação lambendo a ferida. Os vampiros possuem sensores térmicos localizados no apêndice nasal, para identificar regiões mais vascularizadas nas presas.
A língua produz uma substância anticoagulante para facilitar o escorrimento, sendo que através desse órgão acontece a transmissão do vírus da raiva, caso o morcego esteja contaminado.
O controle do morcego é realizado por meio de captura de alguns exemplares sobre os quais é espalhada uma pasta anticoagulante (warfarina 2%) que será lambida pelos outros integrantes da colônia quando lá retornarem. Isso causa grande mortalidade da colônia.
A raiva
A raiva é uma doença viral que pode ser dividida entre urbana e rural. A raiva urbana é transmitida de cão para cão, podendo ser transmitida entre outros animais domésticos.
O reservatório de vírus rábico no meio rural é mantido pelo morcego vampiro e transmitido para outros mamíferos, como bovinos, equinos, suínos, cães, etc.
Outros morcegos, que não os vampiros, podem ser infectados pelo vírus da raiva, mas rapidamente morrem. Desse modo, morcegos com comportamentos atípicos, caídos imóveis ou agressivos, não devem ser manipulados sob o risco de estarem infectados.
A transmissão geralmente ocorre pela inoculação do vírus contido na saliva do animal infectado por meio de mordedura, porém existem casos raros de arranhadura e lambedura.
O vírus da raiva age sobre o Sistema Nervoso Central. Resumidamente, os sintomas nos seres humanos são inicialmente sensação de angústia, dor de cabeça, febre e irritação na região de contágio, posteriormente pode ocorrer excitação sensibilidade a luz e som, evoluindo até a morte. A letalidade é de quase 100%.
A incubação na maioria dos casos leva de 2 a 12 semanas. A doença dura de 2 a 6 dias e quase sempre evolui para morte.
A partir de 2005, com a intensificação das ações da vigilância sanitária, o Brasil conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade humana. A tabela mostra a evolução da raiva humana de 2010 a 2017.
Dos 25 casos mostrados na tabela, 9 tiveram o cão como agressor, 8 morcegos, 4 macacos, 3 felinos e 1 não foi identificado.
A importância econômica e ecológica dos morcegos
Os morcegos desempenham pelo menos 3 papéis fundamentais para o ecossistema mundial: polinização, disseminação de sementes e alimentação de insetos.
Já foram estudadas mais de 500 espécies de plantas polinizadas por morcegos.
Os morcegos frugívoros tem um importante papel na disseminação de sementes das frutas que se alimentam. Por outro lado, recomenda-se evitar o plantio de chapéu de couro ou amendoeira (Terminalia catappa) próximo às residências, uma vez que trata-se de um alimento de grande aceitação entre eles.
Os morcegos insetívoros (70% das espécies) se alimentam de grandes quantidades de insetos desempenhando importante papel no controle de pragas agrícolas e insetos transmissores de doenças ao homem e animais, uma vez que alguns morcegos podem comer 1,5 vezes o seu próprio peso por noite.
Os morcegos são protegidos pela Lei Federal nº 9605 de fevereiro de 1998 e não podem ser exterminados.
Controle
Deve-se salientar que morcegos não são roedores e não danificam madeiras, fios, etc.
Diversas espécies de morcegos habitam forros de residências e a maneira para afastá-los do local deve ser por meio de vedação das entradas e utilização de telhas translúcidas.
Porém, a presença do fungo Histoplasma capsulatum encontrado nas fezes de morcegos em forros de casas (e cavernas) pode causar histoplasmose, confundida com pneumonia ou tuberculose, cuja gravidade está associada à quantidade de esporos inalados. Desse modo, sempre que se deparar com fezes de morcegos a utilização de máscara é obrigatória.
Havendo diversas fendas para entrada e saída, recomenda-se a vedação de todas exceto uma ou duas. Posteriormente, ao entardecer quando os morcegos saem para se alimentar, deve-se vedar as saídas de maneira temporária. No dia seguinte antes do entardecer abrir novamente as saídas de maneira que os morcegos que não tiveram oportunidade de sair no dia anterior deixem o local. Após isso, vedação pode ser permanente.
Durante a primavera e verão, época de reprodução, a vedação de locais de saída pode isolar filhotes matando-os. Por isso recomenda-se para esse manejo escolher o outono / inverno.
Contatos
Caso haja necessidade de entrar em contato com a área do Ministério da Saúde relacionada com raiva acessar o seguinte endereço: Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis-CGDT
Mais informações
REIS, N. R., PERACCHI, A. L., PEDRO, W. A., LIMA, I. P. – Morcegos do Brasil – Londrina, 2007.
Prefeitura de São Paulo, 2017 - Manual de manejo e controle de morcegos urbanos.
Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), 2013 - O morcego hematófago e a raiva em mamíferos
Site do Ministério da Saúde - Raiva