A presença de capivaras perto de locais urbanizados representa risco de infestação de carrapatos, que podem estar infectados pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmissora da Febre Maculosa.
A dificuldade de se conter a infestação de carrapatos em condomínios, parques e campi universitários tem preocupado a população e profissionais de saúde.
Esse é um grave problema de desequilíbrio ambiental e de saúde pública!
Para quem não se preocupa com uma simples picada de carrapato, veja a gravidade dessa doença nos dados abaixo.
A tabela mostra dados da Febre Maculosa no Brasil, com o número de casos confirmados e de óbitos, no período de 2000 até 2018 (julho).
Consulte os dados desagregados:
O Gráfico abaixo mostra a evolução de óbitos ocasionados por Febre Maculosa na Região Sudeste, entre 2000 e julho de 2018.
A seguir serão descritos os hábitos das capivaras, informações sobre o carrapato, considerações sobre a bactéria causadora da Febre Maculosa e métodos de controle de capivaras e carrapatos.
A capivara
A capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) é um grande roedor, podendo pesar até 90 kg e medir 50 cm de altura. É um animal herbívoro, possui hábito semiaquático e tem preferência por regiões quentes com presença de água, embora habite quase toda a América do Sul, exceto a região andina.
Elas se organizam em grupos com a presença de um macho dominante, responsável pelo cruzamento com a maioria das fêmeas.
O bando também é formado de fêmeas dominantes e alguns machos e fêmeas submissos. Os machos submissos são responsáveis por 40% da natalidade.
A reprodução é realizada durante o ano todo, com gestação de 150 dias e nascimento em média de 5 filhotes por fêmea.
O aumento da população é explicado pela falta de predadores naturais, como onças, jacarés, jaguatiricas, cachorro do mato, sucuri, etc.
Desse modo, a capivara possui alta taxa reprodutiva e grande capacidade de colonização, adaptação e dispersão, deslocando-se facilmente pelas bacias hidrográficas do país.
O carrapato
Diversos carrapatos são vetores da bactéria que transmite Febre Maculosa, entre eles os mais importantes para o Brasil são Amblyomma cayennensis e a Amblyomma sculptum. Esse último é chamado de carrapato-estrela.
O Amblyomma cayennensis é encontrado somente na região amazônica (Venezuela e Guianas) e parte do Brasil (Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), enquanto que o carrapato-estrela, Amblyomma sculptum, ocorre norte da Argentina, Bolívia, Paraguai, além dos estados de Pernambuco, Piauí, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.
Seus principais hospedeiros são equinos, capivaras e antas. Podem parasitar diversos mamíferos silvestres e domésticos, como gambás (Didelphys sp), coelhos, cães e até o homem. Existe preocupação desse carrapato migrar para bovinos.
O carrapato-estrela possui ciclo anual e precisa de três hospedeiros para completar seu ciclo de vida.
Na fase larval é conhecido como micuim ou carrapato pólvora. Na próxima fase as ninfas são chamadas de carrapato vermelho, enquanto que na fase adulta é conhecido como carrapato-estrela.
O ciclo inicia-se com a fêmea adulta completamente alimentada (ingurgitada) que se despende do hospedeiro e cai no solo, onde realiza a postura de ovos, morrendo em seguida.
1º hospedeiro (maior ocorrência entre abril e julho)
Dos ovos eclodem as larvas, que após atingirem a maturação, sobem nas pontas das folhas de capim e outras plantas rasteiras até que um hospedeiro passe por ali captando as larvas.
Nesse hospedeiro, se alimentam completamente e caem novamente no solo para o processo de “muda”.
2º hospedeiro (maior ocorrência entre junho e outubro)
Após a “muda” surgem as ninfas que novamente sobem nas plantas para encontrar algum hospedeiro.
Nesse novo hospedeiro, novamente se alimentam e caem no solo para uma segunda “muda” e tornarem-se adultos.
3º hospedeiro (maior ocorrência entre outubro e março)
Esses adultos igualmente procuram hospedeiros no topo de plantas rasteiras, mas também efetuam uma busca ativa indo ao encontro de animais.
Ao encontrar o hospedeiro, machos e fêmeas de carrapatos realizam a cópula, quando a fêmea novamente bem alimentada de sangue (ingurgitada), cai no solo e deposita ovos, iniciando assim um novo ciclo. Os machos vivem mais tempo permanecendo no hospedeiro a espera de novas fêmeas adultas.
A bactéria
A Febre Maculosa, causada por Rickettsia rickettsii, é uma doença infecciosa febril aguda que pode evoluir até a morte. No estado de São Paulo, dentre as zoonoses transmitidas por vetores a febre maculosa é a que mais mata.
Como já vimos essa bactéria é transmitida para seres humanos também pelo carrapato-estrela, cuja infecção acontece quando o carrapato fica aderido ao corpo humano entre 4 a 6 horas.
O carrapato se mantém infectado durante toda a sua vida, além de transmitir a bactéria por muitas gerações. É importante não esmagar os carrapatos, uma vez que bactérias liberadas podem contaminar partes do corpo lesionadas.
O período de incubação no ser humano é de 2 a 14 dias.
Os sintomas aparecem abruptamente podendo ser febre alta, dores de cabeça e musculares, mal-estar generalizado e vómitos. Entre o 2º e 6º dia surgem erupções cutâneas nas regiões do pé e da mão para 50 a 80% dos pacientes.
O diagnóstico durante os primeiros dias da doença é difícil, pois as manifestações podem sugerir, entre outras, leptospirose, dengue, hepatite viral, malária e pneumonia.
O que torna a Febre Maculosa uma doença preocupante é que o sucesso do tratamento está relacionado à precocidade do diagnóstico. Os antimicrobianos recomendados são doxiciclina ou cloranfenicol.
Métodos de controle
Os métodos de controle passam por duas vertentes, diminuição da população de capivaras e de carrapatos.
1. Diminuição da população de capivaras
a. Remoção de animais e isolamento da área
A transferência de animais para outras localidades não é eficiente, pois a população se reestrutura rapidamente no curto prazo.
A remoção somente do macho dominante também permite a rápida reestruturação social com macho submisso tornando-se dominante.
Além disso, animais que já tiveram a doença são imunes e deixam de transmitir a bactéria aos carrapatos, pois adquiriram resistência oriunda de seus anticorpos.
Com a retirada de animais nessas condições, outros animais jovens suscetíveis vão substitui-los no grupo, tornando-se disseminadores da bactéria.
A retirada total com o isolamento da área torna-se uma tarefa desafiadora dada a dificuldade de fechar cursos d’água, brejos e lagos.
b. Esterilização de machos (vasectomia) e fêmeas (ligadura de tubas uterinas)
Esse método exige que a execução seja realizada por uma equipe de técnicos especializados.
O controle da natalidade tem a finalidade de diminuir os indivíduos jovens no grupo, que, mais que os adultos, são responsáveis por amplificar a bactéria da Febre Maculosa.
É necessário capturar os animais em uma área de atração onde se oferece alimentação, chamada ceva. A captura deve ser realizada com a aplicação de anestésico.
A esterilização de machos, dominante e submissos, é procedimento menos invasivo e de recuperação mais rápida. Porém, o macho dominante dificulta a entrada de machos submissos na ceva. Daí, conforme o caso, há necessidade de efetuar a ligadura em fêmeas.
2. Diminuição da população de carrapatos
a. Controle mecânico
É importante saber que 95% dos carrapatos localizam-se no ambiente, nas folhagens rasteiras a procura de hospedeiros. Destes, em média 99% são eliminados naturalmente pelo ambiente.
Desse modo, a roçada de vegetação nos períodos de verão altera o microclima da base da vegetação diminuindo a sobrevivência dos carrapatos.
Além disso, vegetação alta é propícia para atração de outros pequenos mamíferos que ajudam a disseminar carrapatos.
b. Controle químico
Deve-se ter muito cuidado na pulverização da vegetação com acaricidas ou carrapaticidas, pois podem contaminar recursos hídricos, além de impactar a fauna dos invertebrados e polinizadores que habitam os locais de tratamento.
Essa solução deve ser utilizada somente em momentos de descontrole populacional, orientada por especialista e sempre efetuando uma rotação de princípios ativos, a fim de evitar resistência.
Experimentos conduzidos pela Esalq/USP mostraram que piretroides (lambdacyalothrin e bifenthrin) eliminaram mais de 95% de ninfas após 3 horas de aplicação, mantendo residual de mais de 20 dias. O produto a base de fenilpirazol também apresentou bons resultados.
Ainda no mesmo experimento comprovou-se que a utilização dos referidos produtos químicos deixou baixos níveis residuais no solo e em corpos d’água, porém com efeito tóxico em abelhas.
É importante saber que as fases anteriores à fase adulta, larvas e ninfas, são mais suscetíveis aos produtos químicos.
c. Controle biológico
Nos mesmos estudos conduzidos pela Esalq/USP foram efetuados experimentos de controle biológico com o fungo Metarhizium anisopliae que mostrou ação mais lenta, combatendo 70% das ninfas após 7 dias. Essa alternativa, que não representa risco para a natureza, deve ser realizada em dias úmidos e com temperatura amena.
d. Pulverização de carrapaticidas em animais
A pulverização de animais ajuda a diminuir a população de carrapatos e deve ser utilizada de maneira complementar aos demais métodos. Deve-se lembrar que 95% dos indivíduos encontram-se no ambiente na vegetação rasteira.
No caso de equinos deve-se pulverizar carrapaticidas a cada 10 dias com 4 litros de calda para cada animal, até a diminuição da infestação.
e. Repelentes em seres humanos
Um método para evitar a contração de carrapatos em seres humanos é a utilização de produtos químicos repelentes aplicados na pele, como produtos a base de deet (N,N-dietil-meta-toluamida), que agem por duas horas contra larvas e ninfas.
Pode-se utilizar permethrin em aplicações sobre roupas repelindo indivíduos de todas as fases do carrapato.
Conclusão
Para diminuir a infestação de carrapatos deve-se conjugar diversos métodos, juntamente com um programa educacional-informativo.
O método contraceptivo é o de maior eficácia, juntamente com as pulverizações químicas e controle mecânicos.
Ações de esterilização de capivaras foram realizadas pelas prefeituras de Campinas e de Belo Horizonte, além da Universidade Federal de Viçosa e da Escola Superior de Agricultura Luiz de “Queiroz”, instituições que podem fornecer informações mais aprofundadas.
As seguintes publicações trazem informações mais detalhadas
Embrapa – Comunicado Técnico 132: Carrapato-estrela (Amblyomma sculptum): ecologia, biologia, controle e importância, https://cloud.cnpgc.embrapa.br/controle-do-carrapato-ms/files/2016/11/COT_132.pdf]
Ministério da Saúde – Guia de Vigilância em Saúde: Febre Maculosa Brasileira e Outras Riquetsioses, http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/31/GVS-Febre-Maculosa.pdf
Universidade Federal de Viçosa - Manejo de população problema através de método contraceptivo cirúrgico em grupos de capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris), http://www.cbra.org.br/portal/downloads/publicacoes/rbra/v41/n4/p710-715%20(RB711).pdf
Universidade de São Paulo – Febre Maculosa: dinâmica da doença, hospedeiro e vetores, http://www.sga.usp.br/wp-content/uploads/sites/103/2017/07/livro-carrapato-com-capa-pdf-isbn-novo-1.pdf
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo - A Febre Maculosa Brasileira na Região Metropolitana de São Paulo, http://www.saude.sp.gov.br/resources/ccd/homepage/bepa/edicao-2016/edicao_151_-_julho.pdf
Grande abraço
Luiz Cláudio